Está lá no MICHAELIS: Hipocrisia: Manifestação de fingidas virtudes, sentimentos bons, devoção religiosa, compaixão etc.; fingimento, falsidade.
Que tristes tempos estes em que vivemos. A era da hipocrisia total, dos “verdadeiramente falsos”, dos bons moços de plantão em prol do politicamente correto, dos moralistas defensores dos fracos e oprimidos.
Mas não é só isso (antes fosse, como se a tragédia fosse pequena). Vivemos uma era de pseudo artistas, de celebridades que aparecem e desaparecem - graças ao bom Deus - na mesma velocidade. De pessoas que tratam nossas mentes e nossa cultura com o mesmo cuidado que dispensam aos bens materiais de uma sociedade consumista. Não conhecem valores. E não querem conhecê-los. E, via de regra, ainda são tratados por “Heróis...”
Recordo-me dos meus tempos de infância, e nem faz tanto tempo assim, em que tínhamos heróis de verdade. E não raro nossos pais eram também nossos heróis. Lembro-me dos sonhos dos colegas de escola, dos que queriam ser jogador de futebol porque gostavam de futebol, e não porque poderiam ir pra balada e sair com traficantes e serem considerados “imperadores”. Dos que queriam ser médicos porque se preocupavam com alguém e não pra ganhar dinheiro e desfilar de carrão. Das meninas que sonhavam em ser modelo, e nem sabiam o que é ser uma mulher-fruta. Dos que queriam ser somente operários, motoristas de caminhão, e tantas outras coisas mais - porque o mundo precisa deles mais do que de doutores – sem se preocupar se seriam tratados como os excluídos da sociedade. Dos que tinham sonhos...
Recordo-me dos bons amigos, Carazinho, Zé Léo, Negão, Montanha, Cobrakan, e tantos outros com os quais não tenho mais contato. Mas que fizeram-me crescer como pessoa. Porque brincávamos e porque brigávamos. Mas acima de tudo, porque nos respeitávamos de verdade, sabendo que um apelido não menosprezava o valor de uma amizade verdadeira. Fico pensando como seria hoje. Acho que causaríamos espanto (ou um processo judicial) se nos cumprimentássemos na rua dizendo “Como vai Negão”, e o outro respondendo “Tô beleza, Palermância” (este era eu...).
Impensável, afinal vivemos a era da hipocrisia. A era dos que têm liberdade de expressão, mas só podem expressar aquilo que é politicamente correto, o que está de acordo com a moral e os bons costumes. Daqueles que perderam seus ídolos, sufocados pela “sociedade”, sempre alerta pra lhe mostrar o que é bom pra você e o que não é.
Tenho saudades de um tempo em que ligava o rádio e escutava Legião Urbana, Paralamas, Kid Abelha, RPM e tantos outros artistas que nos presenteavam com MÚSICA. Tenho saudades de uma época em que rockeiro era rockeiro, se vestia de preto e ponto. Tenho saudades do tempo em que um jogador de futebol jogava bola. Que um cantor sabia pelo menos cantar, e as músicas eram feitas com mais guitarras, baterias e teclados e menos computadores e sintetizadores. Tenho saudades do tempo em que precisava estudar pra passar de ano, sem ter um especialista no jornal da tarde alertando sobre “os problemas de uma repetência na minha autoestima”. E, principalmente, tenho saudades de um tempo em que poderia ser autêntico, poderia ser eu mesmo, sem precisar ser hipócrita para agradar a todos ao meu redor, e nem por isso seria considerado revolucionário.
Mas os tempos são outros. Não adianta ser saudosista. Resta-me recolher-me à minha insignificância individual num mundo globalizado. Viva a hipocrisia!